Dentro da ótica psicanalítica, método e teoria, que sigo há 35 anos e que atualmente formato no modelo que criei e intitulei como “Psicanálise Contextualizada”, não vejo nenhum problema em abordar o Evangelho desta terça-feira, 20 de agosto de 2019, sob o olhar da Psicanálise. E assim fazendo, contextualizo uma mensagem espiritual, evangélica e missionária a luz das ciências humanas.
Alto nível de dependência nas famílias
No cenário atual percebemos, com frequência, na maioria das famílias a forte inversão de valores e foco na forma em que conduzem a vida. Hoje, os pais morrem pelos seus filhos, tornando o processo educacional um vínculo simbiótico (de dependência mútua) pais/filhos.
Esta inversão de valores associo com a trajetória da civilização ocidental. Houve um tempo em que dava-se a vida pela pátria, os filhos eram os soldados dos reis, das conquistas além mar, das conquistas terrenas. Era um orgulho ter um filho partindo para defender a pátria. Depois o orgulho estava em ter filhos missionários. Pessoas que deram a vida pela evangelização para fazer prosperar a mensagem de Jesus Cristo além fronteiras, os grandes missionários.
Hoje, os pais já não querem perder seus filhos; os tem como riqueza pessoal e com isso tornam-se os ricos que Jesus fala, os quais dificilmente conseguiram entrar no Reino dos Céu (Mt 19,24). Se antes dava-se a vida pela pátria, depois pela religião, hoje morre-se pelos filhos.
Este vínculo simbiótico materno/paterno/filial, que faz as relações familiares serem semelhantes as relações de árvores e plantas trepadeiras, onde esta depende daquela e vice versa; como a orquídea necessita de um tronco bem sarado para florir e este tronco precisa da orquídea para ter uma bela estética, vai transformar o ambiente familiar em apego e super proteção.
Evoluir como ser humano para uma real entrega ao Projeto de Deus
Porém, a mensagem de Jesus Cristo é clara, estarão no paraíso junto ao Pai na sua glória aqueles que abandonarem riquezas (apegos); aqueles que abandonarem pais, irmãos, família, patrimônio.
Que crueldade, para seguir Jesus e assumir um projeto espiritual religioso é necessário abandonar nossos bens mais preciosos. Esta orientação vem de encontro ao processo de evolução do ser humano desde a fecundação até chegar a vida adulta. Uma proposta que remate a escolha por quem chega ao ápice da maturidade emocional, que é o grande legado do desenvolvimento humano. Esta radicalização Cristã, de colocar Deus em primeiro plano e com isto a construção de Seu reino aqui na terra, na perspectiva da parusia (vida eterna), só é um projeto digno de alguém que chegou no ápice da maturidade. Até para seguir a religião Cristã, é preciso ter construído autonomia, independência emocional e também material.
Com esta perspectiva apontada por Jesus Cristo, vamos entender que os apegos as riquezas que podem ser tanto materiais, como à pessoas ou até mesmo a processos educacionais, desvirtuam a aplicação verdadeira do Cristianismo. Vemos o quanto os pais que hoje dão a vida para educar os filhos, tendem, mesmo acreditando viver e praticar os ensinamentos Cristãos, a educar na contramão do Cristianismo.
Conduzir os filhos a essência da escolha Cristã
O Cristianismo é uma proposta que conduz o sujeito a plena autonomia da escolha a ponto de doar a vida e abandonar a tudo por Cristo. Nesta perspectiva, com educação de apego, de medo do filho sofrer e de adiamento da maturidade dos filhos, vemos a reprodução do jovem rico (Mt 19,16-30) que diante de Jesus Cristo ao revelar ser praticante dos mandamentos e viver o bem, não conseguiu deixar suas riquezas para entregar-se totalmente a Jesus. Vemos os pais colocando os filhos na prática religiosa como cumpridores de normas e regras. Porém, sem que os filhos atinjam a essência da escolha Cristã por consciência própria.
Dentro da perspectiva psicanalítica para o desenvolvimento emocional, as psicoterapias são meios de ajudar as pessoas a plena independência e também a clareza de fazerem escolhas por elas mesmas. É aqui, neste campo de busca da liberdade pessoal que é a construção de uma mente que é capaz de se auto perceber, de discernir emoções e fazer escolhas livres, que a Psicanálise se aproxima do método de Jesus. Só cidadãos maduros conseguirão seguir a uma radical proposta de vida como é o Cristianismo.
Pela FÉ e CONVERSÃO.
E depois, Jesus chama a nossa atenção para quem pode estar na glória do Pai, apontando para uma lógica não comercial ou bancária de tempo de seguir Jesus. Pois, méritos que hoje são os primeiros serão os últimos e muitos que são os últimos hoje, serão os primeiros. Aponta aqui para a percepção que estar ao lado de Cristo na sua glória depende da conversão pessoal (escolha livre) e com isso de fé. Não será uma definição por tempo de prática, por número de missas frequentadas ou comunhão eucarística realizadas ou por terços rezados e promessas ou penitências pagas. Será pela intensidade da fé e conversão. Por isso mesmo, que não podemos comparar a conquista do paraíso prometido pela longevidade da prática Cristã, como se fosse a conquista de uma aposentadoria celeste. Mas a possibilidade de vermos os filhos que criamos ter a verdadeira conversão pessoal em Cristo por consciência, vai depender do nível de autonomia na qual foram educados, que foram conduzidos ao longo da história.
Neste sentido, se na sua família você perceber um apego e superproteção ao processo educacional dos filhos, é melhor fazer uma reconstrução do seu processo educacional pois está totalmente aparte a proposta do Cristianismo. Por isso que podemos lembrar de um antigo ditado popular: “de boas intensões o inferno está cheio”. Educando na religião com o perfil de super proteção estamos bloqueando os filhos para a possibilidade de um verdadeiro encontro com Cristo.
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